terça-feira, fevereiro 22, 2011

Os Filmes da Nóis Pictures (1998-1999): Quando adolescentes descobrem o cinema amador

Clima VHS

     Era 1998, estávamos na sétima série do ensino fundamental, no Colégio Santa Rosa, em Carlos Barbosa, RS. Nossa escola tinha ensino religioso, e pra variar era uma porcaria tinha uma abordagem transdisciplinar de assuntos variados do cotidiano. Nessa perspectiva, o tema das drogas era excelente, afinal até tema de campanha da fraternidade já tinha sido.
Leonardo Zanuz caindo com a chuva de bolinhas de papel

     A professora então dividiu a turma em grupos que podiam escolher temas e apresentar da maneira que achassem mais interessante. Em geral, escolheram teatros. Como eu tinha uma câmera de vídeo em casa, achei que seria uma ótima oportunidade para agitar desenvolver as criatividades, e de brinde ainda fazer o trabalho de aula. O grupo era bom, meus melhores amigos da época estavam nele. Os integrantes eram: Eu, Leonardo Grison, e meus colegas Leonardo Zanuz, Augusto Di Marco, o Fuca, Neimar de Freitas, Giovanni Molon, Giovani Dalmina e Joel Deitos. 

Joel Deitos, o traficante

     A ideia logo surgiu: um filme sobre adolescentes que acabavam se envolvendo com drogas, acabando com suas vidas. Câmera na mão e lá fomos nós. Nascia então “As Faces da Droga”, nosso primeiro filme. Começava o filme com Leonardo Zanuz (esse era o nome do papel dele) chegando atrasado para a aula em nosso colégio. Essa cena não era exatamente ficção. Depois de deslizar pelos corredores coisa que na idade dele já deveria ter parado de fazer a tempo mas continuava fazendo inclusive na vida real ele entrava na sala de aula dizendo “e aí” e levava uma chuva de bolinhas de papel (aquelas mesmas que quase mataram José Serra na última campanha para presidente). A turma de fato era mais ou menos assim.

Galerar curtindo um baseado no "póint"; Neimar e Zanuz

     Na saída quem aborda a galera é Joel Deitos, devidamente trajado de traficante. Mais ou menos isso. Pelo menos tinha uma jaqueta de couro... A galera logo vai aceitando a oferta, que na primeira vez é de graça. Presume-se que é maconha. Mas nem todos adoram a ideia. Giovanni Molon, o quadrado da história, não quer experimentar e alerta os outros para os perigos. Obviamente, não dão bola.

Cheirando uma "coca". À esquerda armas; Neimar e Zanuz

     Dali as filmagens partiam para a casa de Leonardo Zanuz e seu tradicional porão. Ali vivemos grandes momentos de nossa adolescência, a maior parte deles com um SNES ou um N64. Nesse local Neimar disse a famosa frase com a voz fina e tudo “Ta, se é buRo deixa”. Foi quase um dia inteiro de filmagens no local. Éramos muito cuidadosos, por isso sempre verificávamos tudo que havia sido gravado. E as vezes esquecíamos de botar a fita pra frente depois, foi assim que apaguei todas essas filmagens.

Primeira morte; Giovanni Molon

     Com praticamente todo trabalho perdido, fizemos o filme em um dia apenas. Dessa vez na casa do Joel. Ele também tinha um porão muito bacana, um terreno baldio ao lado da casa, e ainda havia uma casa em construção que foi feita de boca de fumo. O roteiro era mais ou menos o do anterior. Como eu pilotava a câmera, ia orientando os diálogos antes de cada filmagem, tudo no improviso. Os atores opinavam bastante, principalmente Leonardo Zanuz. Foi basicamente uma criação coletiva.
Nas notícias Molon e a eliminação do Brasil na Copa de 98


      Porém a mágica vinha depois. Todas as cenas, com ou sem erros, inclusive com os célebres improvisos, estavam absolutamente desconexas na câmera. A mágica era a edição. Ligava-se a câmera no videocassete, e ia cena a cena passando pra fita. Essa era a edição. Apenas se fazia um recorta e cola do que havia na câmera. Mais tarde descobri que era possível fazer uma gambiarra nos fios de áudio para inserir trilha sonora, mas nesse filme não foi possível. A tarefa parece fácil, mas não é. O videocassete era extremamente lento. Quando se apertava o botão pra gravar ele precisava de um tempo até rodar a fita, e a câmera também quando se dava o play. Já segurávamos os dois travados (o botão de pause literalmente travava os mecanismos, forçando a máquina), mas mesmo assim o delay era inevitável. Isso se observa principalmente nas cenas que começam com uma fala cortada ou algo do tipo. Depois aprendemos que precisava deixar um booom tempo antes de cada cena. Mas só depois aprendemos.

Zanuz: "Eu fico com o boné, então!"

     A segunda filmagem não foi exatamente um problema. Estávamos mais treinados, foi mais rápido e ficou mais bem feito. La começava o problema da drogadição, os jovens começavam a querer drogas mais pesadas, e não tinham dinheiro pra isso. Não demorou muito e os jovens encontraram um de seus amigos morto. Todos ficam apavorados e fogem do local com medo de serem incriminados. Leonardo leva o boné do falecido (?!?!?!??). 

O assalto

     Eles não se dão por vencidos e vão tirar satisfações com o traficante Joel. Leonardo Zanuz é duro, e diz que por causa desse grave crime ele terá de dar desconto na droga, que agora já é algo mais pesado. Como tínhamos 12 anos e noção nenhuma, é um saco inteiro de farinha. E eles cheiram tudo, ao som de Bob Marley, claro. 

Fuca assassinando com o regador de grama

     A droga acaba, Dalmina diz que já nem faz mais efeito, e eles resolvem comprar mais. O único problema é que ninguém tem dinheiro. Por isso eles resolvem assaltar o primeiro idiota que aparece. Leonardo Zanuz recomenda: “mas tu olha bem hein, tem que ter a cara de idiota”. Nascia uma estrela, o então figurante Tiago Salvi. A cena foi lendária, com direito ao assaltado tirando sarro quando foge dizendo “ah que burro o dinheiro tava na meia” e sendo pego novamente. Tiago Salvi no ano seguinte seria o ator principal do próximo filme da Nóis Picures. 

O final "feliz"

     No final tudo dava certo. O mocinho matava o bandido (de forma bem sangrenta), eles se davam conta de que precisavam de tratamento e tudo terminava bem. Neimar de Freitas, como era um baita bunda mole uma pessoa muito ocupada, saiu antes, e tivemos que improvisar o final das filmagens sem ele. É por isso que no filme ele “desaparece”. Terminava, então, o filme, com letreiros feitos a mão ou no computador e filmados, e algumas falhas de edição. 

 
Versão reeditada em 2011 disponível no Youtube
Para ver a versão nova acesse: http://www.youtube.com/watch?v=ucZy6uSgjk0



     A recepção do filme foi fantástica e ele logo virou um clássico cult da sétima série. Nossos colegas, como ocorre num caso assim, riam o filme todo. Não era comédia o filme, mas como era muito trash, e quem encenavam eram os amiguinhos, todos riam. Menos a professora, que estava perpleta abismada assistindo e ao final disse: “Nossa, eu estou impressionada. Vocês riem, mas é BEM ASSIM QUE ACONTECE.”
Fuca, o Pizza Boy, e o assassino

     No ano seguinte decidimos repetir a ideia de sucesso. Como a graça era violência e sangue, mudamos um pouco a temática. Tínhamos influência do cineasta barbosense Felipe M. Guerra, que na época não era famoso. Ele fazia filmes caseiros, todos muito trash. Acabamos indo por um caminho parecido. Veio então a ideia de “Pânico H3”. O nome se deve ao fato de que na época já existia um filme chamado pânico, mas que só estava no 2 ainda. O nosso já era o 3, e o H era em referência ao Halloween H20. Só que como o do Halloween era de 20 anos, o nosso subtítulo ficou “H3 ..... dias”, que foi o tempo de filmagem. 

Fuca, a primeira vítima
 
     O grupo não era mais o mesmo. Do original tinha apenas eu, ainda dirigindo, editando e filmando, o Fuca, e o Tiago Salvi, que agora era o ator principal, apesar de sua identidade nunca aparecer. A história não era nada criativa, porém fez grande sucesso, principalmente pela cômica, absurda, canastrona brilhante atuação de Mateus Postingher, o Moto, que juntamente com Waldomiro Augusto Aita Neto, e Mathias Angeli, eram os novos atores da Nóis Pictures. 
Mathias fugindo do assassino

     O filme começa com Fuca, o Pizza Boy, entregando uma pizza no prédio. Sem ele perceber, o assassino vestido com a máscara do pânico entra no prédio antes da porta fechar. O primeiro a ser morto é o pizza boy. Mathias, o dono da casa, percebe os gritos e vai ver o que houve. Começa então a ação do filme. Neto chega em casa e pensa que a pessoa vestida de pânico é seu irmão e solta a célebre frase “Olha isso, com essa idade brincando de fantasia”. Mais um morto.
Tiago Salvi, o Assassino, desdenhando do crucifixo

    Não havia muita história, e em momento algum é esclarecido porque o assassino resolveu aparecer e o que ele queria. O grande momento surge quando o delegado, Mateus Postingher, aparece. Ele informa a Mathias que “sinto muito mas está morto”, se referindo ao irmão de Mathias. O assassino, então, aparece, e logo eles entram em luta corporal. A marca desse assassino são seus instrumentos peculiares, geralmente cortadores de pizza. O final do filme ainda deixa uma brecha para uma futura continuação. 

Neto: "Com essa idade brincando de fantasia"

     Nessa época, ainda foi produzido o curtíssimo filme “Godzila Cover”, feito inteiramente com bonecos, no melhor estilo “nonsense”, e o comercial fictício do “24° encontro de motoboys, dia 24 de setembro”. A produtora Nóis Pictures faria ainda o filme para gincana da equipe O Lêu Clube, um documentário sobre reciclagem de lixo, feito no lixão da cidade e na usina de reciclagem, com direito a trilha sonora de Pink Floyd e Fábio Prina operando máquinas de prensar lixo, bem como um repórter em cima da pilha gigante de lixo.

Mathias: "Alo? Alô? Ele está tentando me ameaçar"

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