terça-feira, agosto 08, 2006

Progressão de Regime Para Crimes Hediondos

Nos últimos tempos polêmicas tem surgido em torno do entedimento do STF sobre a constitucionalidade dos crimes hediondos. Essas polêmicas surgem por causa da preocupação dos cidadãos com o possível aumento da criminalidade. Porém, dado os argumentos aqui expostos, verificar-se-á que nada mudara no que diz respeito à violência, exceto aquela que se comete com o réu.



Antes de mais nada é preciso criticar a concepção legalista do direito. Esta concepção é baseada num idealismo que tem como base a crença na força da norma. Estas teorias ganham força na modernidade, aonde a norma adquire uma suposta racionalidade, principalmente com a revolução francesa, aonde o judiciário é cerceado em seu poder, limitando-se a cumprir a lei. No caso da criminalidade acaba resultando na crença da racionalidade da lei de crimes hediondos, acreditando ser ela eficiente na redução da violência, podendo desta maneira superar as garantias individuais protegidas no pacto político-federativo, a Constituição Federal de 1988, sendo que jamais se verificou a esperada redução da criminalidade.

Isto tudo relaciona-se com a crença na eficiência do controle estatal, que age através do seu monopólio da violência. Desta maneira procura-se combater a violência com mais violência, exercendo o Estado o seu poder. Esta tese despreza o controle social, que Michel Foucault genialmente trata em “Microfisica do Poder” e “Vigiar e Punir”. O controle social é muito mais eficiente que o controle estatal. O ser humano teme muito mais o olhar de reprovação do outro do que a violência do Estado. O ser humano acorda pensando no outro e vai dormir pensando no outro. Nas palavras do sociólogo italiano Umberto Eco “O ser humano nasce a partir do olhar do outro”.

E além do que já foi exposto há que se tratar desta divisão entre cidadãos e criminosos. Estes dualismos há muito nos acompanham, e verificaram-se com mais intensidade na modernidade com os dualismos kantianos. É como se a realidade em toda sua complexidade pudesse se reduzir a um binômio aonde o que temos ou é A ou é B. Na nossa Constituição o povo manifestou seu desejo na manutenção de garantias fundamentais, e uma separação entre cidadãos e criminosos faz com que estes fiquem separados destas garantias e aqueles protegidos por elas. Por óbvio que isso contraria o princípio da igualdade, sem falar que está baseado em uma ilusão. Ninguém nasce criminoso. O que torna um cidadão criminoso é uma lei que imputou o fato cometido por ele como criminoso. Sem lei não há crime. E esta conduta foi cometida certamente por influencia do meio, pois o ser humano não é dono de si como pensava o pensamento iluminista. Neste sentido já quebraram com o racionalismo renomados autores como Freud, Marx, Heidegger, entre vários outros. Desta maneira temos que pensar que apesar de ser muito doloroso quando é nosso filho que é vitima de um crime hediondo, tão doloroso, ou talvez mais, é quando nosso filho esta no banco dos réus, e pior, quando nesta posição é cerceado de suas garantias constitucionais. Dessa maneira, que direito tem o Estado, como bem salienta Dometilha de Carvalho, que foi ineficiente em sua prestação de serviços básicos como saúde e educação, de exercer o seu direito de punir, já que não cumpriu suas obrigações básicas?

Não se está aqui para defender a impunidade, pois esta realmente constitui um grande problema no controle da violência, porém há que se repensar os pressupostos de que parte a nossa concepção do direito, bem como o imaginário que está inserida a sociedade para compreender estes fenômenos. Infelizmente o que se verifica é que o imaginário da maioria das pessoas é o imaginário dos filmes de faroeste, por isso esperam que o Estado-Xerife-Bom-Mocinho saia à caça, impiedosamente, dos “Bandidos”, esquecendo que a realidade é muito mais complexa, e que a criminalidade não é um problema, mas sim um sintoma, de um problema muito maior, para o qual é necessário políticas sociais efetivas.

Um comentário:

Diego disse...

"...a criminalidade não é um problema, mas sim um sintoma, de um problema muito maior..."

Poxa, que ótima leitura, pena o texto ser pequeno. =/