quarta-feira, abril 11, 2012

Aborto em caso de anencefalia


Hoje (11/04/2012) o STF vai decidir se o pequeno ser da foto tem direito a viver ou não. Ele é um anencéfalo, uma má formação que ocorre durante a gestação e faz com que não se desenvolva o cérebro. Como nossa legislação não faz distinção, o aborto é crime como outro qualquer (menos o da vítima de estupro, caso em que o Estado autoriza abortar um feto perfeitamente saudável). A consequência disso é obrigar a mãe a gestar um filho que sabe que, além da aparência absolutamente desfigurada, irá “viver” pouco tempo e logo falecer. Nenhuma hipótese de desenvolvimento normal. Por que é crime? Porque para algumas correntes o anencéfalo é considerado pessoa. Essas correntes estão, principalmente, ligadas à doutrina da Igreja Católica, que sob o mesmo argumento é contra as pesquisas com células-tronco.
Uma análise mais aprofundada revela uma falta de coerência até mesmo com o conceito de pessoa criado pela própria Igreja, já que o que confere o status de Pessoa à Pessoa Humana é o fato de possuir o “dom divino da razão”, algo que um anencéfalo nunca vai possuir. A doutrina vitalista, ligada principalmente ao pensamento de São Tomás de Aquino, entende que desde o momento da concepção, já há uma pessoa, e portanto merece proteção jurídica (o mesmo ocorreria com as células tronco e a pílula do dia seguinte, que para os católicos é aborto). O raciocínio? Há uma “pessoa em potencial”, ou seja, se o homem não intervir, a natureza segue seu curso e teremos uma pessoa. Sem cérebro? Complicado. Mais: 50% a 80% dos embriões são abortados espontaneamente ainda nos primeiros dias de gestação, e a mãe nem mesmo percebe. Ou seja, o aborto é o caminho natural da vida, e a concepção de sucesso, que consegue efetivamente gera uma pessoa, é a exceção. Tem-se, pois, um ser humano em potencial, da mesma maneira como ocorre com o espermatozóide, ou com o óvulo, que se ocorrendo uma série de condições, como a própria união dos dois, se terá um ser humano. Esse processo é marcado pela incerteza, já que, como bem lembra Lucien Sève, “aquilo que domina os processos iniciais da reprodução humana é o seu caráter maciçamente aleatório”. Nos primeiros momentos dessa união, inclusive, faltam-nos elementos para se diferenciar o óvulo fecundado de seres de outras espécies, por exemplo, já que faltantes os elementos caracterizantes da espécie humana.  
Do outro lado está a doutrina neokantista. Kant secularizou o conceito de pessoa, dando argumentos racionais ao tema. Para ele, o essencial são as faculdades morais. A pessoa é um ser obrigatoriamente ético, não simplesmente um pertencer à espécie humana. O anencéfalo, porque jamais conseguirá desenvolver a racionalidade, não é pessoa.
Esse debate vai muito além dos bancos acadêmicos, e afeta diretamente milhares de mulheres. Como se sabe, todo o processo de gestação traz riscos à mãe, inclusive o momento do parto. E para que? Para ser obrigada a ver nascer aquele ser da foto, que sabe que irá morrer, e de humano pouco mostrará. Fora o enorme desgaste emocional que a mãe é submetida, há ainda o risco de vida da própria gestante.